Navegação

domingo, 1 de abril de 2012

Virginia Woolf: Uma mente que desvela o real e o imaginário


Retrato de Virginia Woolf - Fonte






Não quero ser célebre nem grande. Quero avançar, mudar, abrir meu espírito e meus olhos, recusar a ser rotulada e estereotipada. O que conta é liberar-se por si mesma, descobrir suas próprias dimensões, recusar os entraves.”
- Virginia Woolf*






Livro lançado pela Cosac Naify
            Nas últimas férias, tive meu primeiro contato com a prosa de Virginia Woolf através do livro de contos completos da autora lançado em 2005 pela Cosac Naify sob a primorosa tradução de Leonardo Fróes – aliás, em excelente edição de capa dura, com notas que detalham a tradução e as versões escolhidas dentre os originais datilografados.
            Com onze romances, quatro ensaios, uma peça de teatro e um vasto trabalho de artigos, além de fundar com seu marido Leonard Woolf uma consagrada editora e participar do grupo de Bloomsbury, Virginia Woolf tornou-se uma das figuras mais proeminentes da literatura da primeira metade do século XX. Com seus olhos vazios e distantes, como dois pontos a vagar etéreos no universo do imaginário, revelou-se uma das figuras mais importantes e intrigantes da literatura inglesa, além de uma ávida defensora dos direitos das mulheres em um período no qual essas questões fervilhavam na sociedade vitoriana.
De fato, já nas primeiras páginas do livro somos introduzidos a essa aguçada sensibilidade da autora em relação ao universo feminino. Em Phyllis e Rosamond, primeiro conto da edição datado de 1906, Virginia esclarece:

“[...] Como os retratos desse tipo que temos são quase invariavelmente do sexo masculino, que se empertigava pelo palco com proeminência maior, parece valer a pena tomar como modelo uma dessas muitas mulheres que se agrupam na sombra.”

Com essa explicação, Virginia Woolf lança seus leitores no consciente de suas personagens logo nesse primeiro conto, expressando, com uma acuidade que ao longo do livro notamos ser-lhe característica, as angústias, medos e anseios dessas mulheres que vivem sufocadas nas sombras da vida doméstica, mas que sonham em libertar-se de seus grilhões. Não há dúvidas que esse é um dos temas mais importantes para a autora, que desde pequena sofreu as mais terríveis opressões do universo patriarcal em que viveu e que, ao longo de toda sua vida, defendeu a independência financeira como o meio das mulheres se expressarem no mundo.
Esse universo feminino é assim retratado com a sensibilidade que lhe é própria em diversos de seus contos: na súbita e tardia percepção de uma sombra em O misterioso caso de miss V., no delicioso retrato histórico de O diário de mistress Joan Martyn, na angústia de Mabel ao deparar-se com seu reflexo no espelho em O vestido novo, no relato da construção de uma biografia em Memórias de uma romancista e no cômico e ácido Uma sociedade, no qual a autora dá a voz a diversas mulheres que buscam a resposta de uma única pergunta: estão justificadas a dar continuidade à raça humana? De fato, um dos diversos méritos de Virgínia Woolf foi, além de consagrar-se em uma profissão dominada por homens, introduzir as expressões, as vontades e toda a essência de notáveis personagens femininas.  
No entanto, Virgínia não retrata somente a perspectiva feminina utilizando-se do fluxo de consciência (stream of consciousness), técnica que ajudou a consagrar a saber, a representação dos processos mentais da personagem, muitas vezes sem relações de causalidade, recurso muito presente na prosa de Clarice Lispector. A escritora cria inúmeros personagens peculiares que destrincham seus pensamentos, como o obcecado colecionador de objetos de Objetos sólidos, a pobre viúva e o papagaio do belíssimo A viúva e o papagaio: uma história verídica, o melancólico casal de O homem que amava sua espécie e os diversos personagens que pensam e dialogam ao passar pelo canteiro do parque em Kew Gardens. No belo e trágico O legado, acompanhamos com apreensão e curiosidade as descobertas de um viúvo que lê o diário de sua falecida mulher.
Por sua vez, no meu conto favorito, Um diálogo no monte Pentélico, inspirado em uma viagem da autora para a Grécia em 1906, um grupo de ingleses discutem sobre a sociedade grega com certa melancolia  ao descerem a encosta do monte. Destaco um trecho do conto:

“E os ingleses não poderiam ter dito naquele momento, em que ponta se achavam, pois essa aleia era tão lisa como um anel de ouro. Mas os gregos, ou seja, Platão e Sófocles e os demais, eram íntimos deles, tão íntimos quanto qualquer amigo ou um amante, e respiravam aquele mesmo ar que beijava as faces e vinha, só que eles, como jovens que eram, ainda impeliam à frente e questionavam o futuro.”

Retrato de Virginia Woolf - Fonte
            Acompanhando os contos completos da autora, observamos seus experimentos literários, a criação e consagração de seu estilo e o seu desenvolvimento de 1906 a 1941. Dessa forma, não há como não pintar em nossa mente um retrato dessa personagem tão peculiar que intrigou gerações.
De minha parte, não vejo seus conhecidos transtornos mentais e sua propensão a terríveis depressões como expressões únicas de uma mulher dominada pela melancolia e pela fragilidade. Vejo-a sim, principalmente ao acompanhar suas narrativas que pulsam como a própria vida, como uma mulher forte capaz de superar inúmeras adversidades, determinada a registrar suas palavras e a expressar sua existência em sua incansável busca por um sentido de viver, que, desde pequena, encontra na literatura
Vejo seus olhos: dois pontos perdidos no imaginário, mas incansáveis exploradores do real.

* Trecho do diário de Virginia Woolf, extraído da biografia Virginia Woolf, de Alexandra Lemasson e tradução de Ilana Heineberg.

quinta-feira, 8 de março de 2012

De olhos abertos ou fechados: a vida e os sonhos

           Inicio esse post com a promessa de, a partir desse mês de março de 2012, voltar com postagens regulares aqui no Violeta. Ressalto que meu principal objetivo é aproveitar esse espaço para registrar e expressar meus pensamentos, observações e produções relacionadas a todos os assuntos que me despertam profunda paixão. No entanto, qual não é meu prazer e felicidade em descobrir, a partir de comentários recentes, que há um grupo de pessoas - certamente muito especiais - que visitam o Violeta mensalmente à procura de atualizações. Fico realmente muito feliz com a atenção e, envergonhada pelo recente abandono do espaço (com exceção do texto de ano novo), renovo meu compromisso comigo, com o blog e com aqueles que o visitam - trabalharei a todo vapor para sempre trazer novidades.
          Dito isso, escolhi para essa postagem um dentre os desenhos que fiz atualmente e um poema de Fernando Pessoa para acompanhá-lo. O desenho faz parte dos meus recentes estudos em cima de fotos, para melhor representar e entender as feições humanas, tão difíceis de serem capturadas no traço do lápis e, por isso mesmo, tão desafiadoras. O poema, palavras de um grande poeta que me tocaram por sua leveza tão dura (ou seria sua dureza tão leve?). Ao mesmo tempo, achei nesse retrato do sonho e da escuridão uma  sutil relação com a etapa que estou iniciando agora em minha vida: semana que vem inicio o curso de Letras e sinto-me, assim, adentrando um espaço desconhecido. Sigo meu sonho caminhando no escuro - certamente um escuro cheio de desafios e surpresas recompensadoras.
           Como esse post acabou saindo no Dia Internacional da Mulher sem que eu pudesse preparar algo especial para a ocasião, não podia deixar de registrar aqui dia tão especial para a história da nossa sociedade. Dia cujo principal objetivo é lembrar-nos que, embora as mulheres tenham realizado conquistas surpreendentes nos últimos anos, a realidade ainda é dura. A luta pela igualdade de direitos continua e desejo que todas as mulheres continuem a conquistar cada vez mais espaços e a iluminar assim os caminhos do mundo com seu brilho tão particular.
           Por último, uma recomendação: a querida Marcia Caetano publicou recentemente em seu blog Na Linha, um texto interessantíssimo acerca do filme O Artista, filme por qual me apaixonei que ganhou merecidamente diversos Oscars, inclusive os de melhor filme e ator. No post, ela apresenta e traduz informações de uma matéria em francês sobre o filme e suas inspirações. Fica já a dica para o Na Linha, blog riquíssimo que é parada obrigatória em meus acessos à internet.
           Deixo abaixo então o poema e o desenho, enquanto já trabalho no próximo texto. Espero que gostem!

Sofia Botelho, 19 de fevereiro de 2012


Sonhei, confuso, e o sono foi disperso,
Mas, quando despertei da confusão,
Vi que esta vida aqui e este universo
Não são mais claros do que os sonhos são

Obscura luz paira onde estou converso
A esta realidade da ilusão
Se fecho os olhos, sou de novo imerso
Naquelas sombras que há na escuridão.

Escuro, escuro, tudo, em sonho ou vida,
É a mesma mistura de entre-seres
Ou na noite, ou ao dia transferida.

Nada é real, nada em seus vãos moveres
Pertence a uma forma definida,
Rastro visto de coisa só ouvida. 

Fernando Pessoa,  28-9-1933
Novas Poesias Inéditas

domingo, 29 de janeiro de 2012

Um olhar sobre a vida: Retrospectiva do ano que passou


Peanuts - Tirinha retirada do tiras-snoopy.blogspot.com/

Embora em grupo pequeno, uma calorosa reunião em família. Fogos de artifício lançados nas casas vizinhas cobrem o céu de cores vibrantes e estrondos a assustar as crianças adormecidas e a pequena cadela. O champanhe escorre da garrafa, misturando-se às risadas que se dissipam no ar. Um telefonema. Abraços e mensagens repletos dos desejos habituais. No carro, protegida do frio da madrugada durante a volta para casa, deixo minha mente divagar enquanto meus olhos perscrutam as vibrantes luzes que traçam o contorno distante de minha cidade.

            Desde então, não sei ao certo se de maneira inconsciente, passei os dias evitando que minhas mãos encontrassem uma caneta, o teclado, um lápis ou outra ferramenta capaz de rabiscar sequer um esboço acerca do fim de mais uma página em minha vida. Não por faltar palavras ou inspiração, mas simplesmente pelo fato de perceber a impossibilidade de abranger em um único texto, ou sequer transpor em palavras, todos os significados do ano que passou – alguns dos quais ainda não apreendi por completo.
            Escrevo, dessa maneira, não apenas com o objetivo de compensar a minha ausência de mais de dois meses do Violeta, mas com a intenção de registrar ao menos a minha gratidão pelas emoções e momentos vividos, pelos sorrisos e carinhos compartilhados, pelas brincadeiras, brigas e conversas de todos os dias, por tudo que meus olhos foram capazes de observar e presenciar neste ano que deixamos para trás, mas que, mesmo que em fragmentos, preservamos em nossas lembranças.
Escrevo assim consciente de que o resultado final não irá satisfazer todas as minhas expectativas. No entanto, estarei feliz se conseguir expor ao menos um esboço da intricada pintura que se apresenta em minha mente à lembrança do ano que passou, uma pintura tão rica em cores, volumes e formas.
Foto retirada do site: blogs.thenews.com.pk
            Em relação ao mundo, 2011 foi certamente um ano capaz de surpreender, maravilhar e indignar todos os que o acompanharam – talvez da mesma maneira controversa como a própria natureza humana nos inspira surpresa, admiração e indignação. Decerto, um dos retratos mais importantes de todas essas emoções que representam o ano que passou se apresenta em movimentos como a Primavera Árabe, o Movimento dos Indignados na Espanha e o Ocupar Wall Street nos EUA, em que milhares de pessoas, com sua força, paixão e profunda indignação tomaram as ruas em protesto às ditaduras do Oriente Médio e Norte da África, no primeiro caso, e à atual estrutura econômico-financeira mundial, responsável pela crise econômica e suas assustadoras taxas de desemprego, nos dois últimos.
            Em um nível pessoal, 2011 revelou-se um ano muito maior do que a mera conclusão de uma etapa importante de minha vida, o Ensino Médio. Certamente, todos os seus dias foram marcados pelo convívio com pessoas singulares e pela alegria de tê-las por perto.
 Minha família não deixou de me surpreender com todos seus talentos, seja na escrita, na fotografia, nos instrumentos, na arte e até mesmo no trabalho. Em nossa casa permaneceu aquela alegria característica. Discussões e brigas também, afinal, o que seria da alegria se não houvesse a tristeza? É como se todos os móveis reproduzissem uma música gostosa pela casa, ora suave, ora ritmada – e assim dançamos conforme a melodia.
Último dia de aula
No ano que passou, adquiri a certeza de que as amizades que carrego não irão se desfazer com a distância ou com o tempo. Conheci pessoas que marcaram profundamente a minha vida e aprofundei meus laços com aquelas que participaram ativamente de meu crescimento. A separação é por vezes inevitável. No entanto, mesmo sem o convívio diário, tais pessoas estão e estarão em meus pensamentos, tal como o mar que, com suas ondas, sempre volta à praia. Desejo-lhes sempre muitas felicidades pelos caminhos que seguirão.
Enquanto escrevo e penso em tantos momentos, percebo que o texto vai se construindo com uma visão deveras positiva acerca do ano que passou. De fato, quando penso em 2011 é impossível conter um sorriso. Apesar disso, é claro que o ano não transcorreu apenas com sorrisos. Foi um ano repleto de risadas, surpresas, brincadeiras, despedidas e certas decepções. Em 2011, estudei muito, toquei violão e cantei com toda a minha sinceridade, escrevi em linhas retas e curvas, aproveitei a companhia de pessoas tão bonitas em suas diferenças, vivi muitas músicas e amei profundamente. Certamente, quando penso em 2011, a saudade já é inevitável.
Gilberto Gil - Fonte: entretenimento.r7.com
            Quanto ao ano novo, é impossível prever o que 2012 nos reserva. No início do mês, fui ao show do Gilberto Gil no 1º Festival Internacional de Artes de Brasília. Em determinado momento da noite, após diversas interpretações que me mergulharam em profunda reflexão (em especial sua interpretação de A Paz), Gil disse algo muito bonito, com aquele seu olhar distante e contemplativo. Em resposta a um “eu te amo” da plateia, o artista sorriu e falou que também amava todos ali presentes por um simples motivo: porque, assim como nós, estava vivo.
Registro aqui essa reflexão pois, durante a virada, resolvi que não faria as tradicionais resoluções de ano novo, que na maioria das vezes parece que fazemos com o simples objetivo de não cumpri-las. Minha meta é apenas uma e pretendo cumpri-la com todo sentimento que há em mim: viver. Viver o ano aproveitando o máximo dessa vida e suas oportunidades. Afinal, como diz Lenine, a vida é tão rara...

Por fim, para receber 2012 com tudo o que desejo para as pessoas queridas e para o mundo, deixo abaixo um vídeo que me emocionou profundamente. Trata-se da gravação da música Imagine, do John Lennon, realizada por músicos de todos os cantos do mundo através do projeto Playing for change, que provavelmente será tema de um post aqui no Violeta (amo a ideia e todo o projeto!). Feliz Ano Novo e que em 2012 não abandonemos nossos sonhos, não esquecendo que, para transformar o mundo, devemos primeiro realizar a mudança em nós mesmos.




Estatísticas do Violeta
Posts mais visitados
Liberdade musical com ukuleles
O ano que caminha para seu fim, por um olhar curioso;
Um corredor de pensamentos que desemboca em sonho


Meus favoritos
A bravura e a suavidade da menina do mar;
Um corredor de pensamentos que desemboca em sonho;
Uma voz que resiste às tempestades

Licença Creative Commons
This work is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Vedada a criação de obras derivadas 3.0 Unported License