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segunda-feira, 2 de maio de 2011

A bravura e a suavidade da menina do mar

Cartaz da exposição  Uma vida de Poeta



Biografia

Tive amigos que morriam, amigos que partiam
Outros quebravam o seu rosto contra o tempo.
Odiei o que era fácil
Procurei-me na luz, no mar, no vento
- Sophia de Mello Breyner Andresen






            Há alguns dias, percebi que ainda não havia falado aqui no blog sobre uma de minhas poetas* favoritas, Sophia de Mello Breyner Andresen. Assim, resolvendo corrigir logo esse descaso, mergulhei em suas poesias repletas de maresia e escrevi esse modesto texto, não como fruto de análises profundas sobre sua linguagem poética, mas como resultado de uma leitura carregada de admiração.
            Sophia de Mello Breyner Andresen nasceu no Porto em 1919 e faleceu em 2004. Em ocasião de sua morte, a escritora Maria Velho da Costa afirmou, com precisão: “Perdemos a menina do mar”. De fato, a poesia de Sophia é a pura imagem do mar e da brisa, com seus momentos de calmaria infinita e de turbulências arrasadoras. Em A Vaga, podemos observar essa dicotomia fascinante que permeia sua obra:

A Vaga

Como toiro arremete
Mas sacode a crina
Como cavalgada

Seu próprio cavalo
Como cavaleiro
Força e chicoteia
Porém é mulher
Deitada na areia
Ou é bailarina
Que sem pés passeia

            No entanto, Sophia não se manifestou apenas na poesia, escrevendo também contos, ensaios e literatura infantil. Além disso, traduziu Eurípedes, Dante e Shakespeare. Foi consagrada com inúmeros prêmios, dentre eles o Prêmio Camões, em 1999, sendo considerada uma das maiores poetas portuguesas do século XX.
            A obra de Sophia é repleta de imagens do mar, da brisa e do vento, com descrições arrebatadoras das paisagens que permearam sua vida e imaginação. Mas sua poesia é composta também de uma intensa consciência social, política e moral, refletindo os acontecimentos e batalhas de sua própria vida.
            Sophia Andresen foi ativista de grande importância na resistência ao regime salazarista, sendo sócia-fundadora da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos. Em 1975, foi eleita como deputada à Assembléia Constituinte pelo Partido Socialista. Apesar de ter uma vida política breve, Sophia lutou durante toda a sua vida pela liberdade, igualdade e justiça, causas que estão sempre presentes em sua obra. No poema 25 de Abril, Sophia comemora a Revolução dos Cravos:

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livre habitamos a substância do tempo

            Em sua obra, há ainda um rico conjunto de reflexões em formato de prosa e verso acerca da arte poética. Em um discurso proferido na Sociedade Portuguesa de Escritores, Sophia explica: “Sempre a poesia foi para mim uma perseguição do real. Um poema foi sempre um círculo traçado à roda duma coisa, um círculo onde o pássaro do real fica preso. E se a minha poesia, tendo partido do ar, do mar e da luz, evoluiu, evoluiu sempre dentro dessa busca atenta.” E acrescenta: “A moral do poema não depende de nenhum código, de nenhuma lei, de nenhum programa que lhe seja exterior, mas, porque é uma realidade vivida, integra-se no tempo vivido”.

        
O Poema

O poema me levará no tempo
Quando eu já não for eu
E passarei sozinha
Entre as mãos de quem lê

O poema alguém o dirá
Às searas

Sua passagem se confundirá
Com o rumor do mar com o passar do vento

O poema habitará
O espaço mais concreto e mais atento
No ar claro nas tardes transparentes
Suas sílabas redondas

(Ó antigas ó longas
Eternas tardes lisas)

Mesmo que eu morra o poema encontrará
Uma praia onde quebrar suas ondas

E entre quatro paredes densas
De funda e devorada solidão
Alguém seu próprio confundirá
Com o poema no tempo



      













            Ao penetrar nas palavras de Sophia de Mello Breyner Andresen, o leitor sente com clareza a maresia e a pureza que compõem a alma daquela que, com tanta suavidade, coragem e bravura, derramou suas palavras sobre as páginas em branco, transformando-as em pura expressão de sua vivência e do seu tempo.


* Optei por utilizar o termo poeta, pois, durante minhas pesquisas, descobri que Sophia Andresen primava por esse termo, uma vez que considerava que a palavra poetisa atribui às mulheres um caráter de inferioridade em relação aos homens que exercem a mesma atividade. [Mais aqui]

Algumas referências:
Vilma Arêas, Sophia: Clássica e Anticlássica (prefácio do livro Poemas escolhidos: Sophia de Mello Breyner Andresen – Companhia das Letras);

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