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Cartaz da exposição Uma vida de Poeta |
Biografia
Tive amigos que morriam, amigos que partiam
Outros quebravam o seu rosto contra o tempo.
Odiei o que era fácil
Procurei-me na luz, no mar, no vento
- Sophia de Mello Breyner Andresen
Há alguns dias, percebi que ainda não havia falado aqui no blog sobre uma de minhas poetas* favoritas, Sophia de Mello Breyner Andresen. Assim, resolvendo corrigir logo esse descaso, mergulhei em suas poesias repletas de maresia e escrevi esse modesto texto, não como fruto de análises profundas sobre sua linguagem poética, mas como resultado de uma leitura carregada de admiração.
A Vaga
Como toiro arremete
Mas sacode a crina
Como cavalgada
Seu próprio cavalo
Como cavaleiro
Força e chicoteia
Porém é mulher
Deitada na areia
Ou é bailarina
Que sem pés passeia
No entanto, Sophia não se manifestou apenas na poesia, escrevendo também contos, ensaios e literatura infantil. Além disso, traduziu Eurípedes, Dante e Shakespeare. Foi consagrada com inúmeros prêmios, dentre eles o Prêmio Camões, em 1999, sendo considerada uma das maiores poetas portuguesas do século XX.
A obra de Sophia é repleta de imagens do mar, da brisa e do vento, com descrições arrebatadoras das paisagens que permearam sua vida e imaginação. Mas sua poesia é composta também de uma intensa consciência social, política e moral, refletindo os acontecimentos e batalhas de sua própria vida.
Sophia Andresen foi ativista de grande importância na resistência ao regime salazarista, sendo sócia-fundadora da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos. Em 1975, foi eleita como deputada à Assembléia Constituinte pelo Partido Socialista. Apesar de ter uma vida política breve, Sophia lutou durante toda a sua vida pela liberdade, igualdade e justiça, causas que estão sempre presentes em sua obra. No poema 25 de Abril, Sophia comemora a Revolução dos Cravos:
Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livre habitamos a substância do tempo
Em sua obra, há ainda um rico conjunto de reflexões em formato de prosa e verso acerca da arte poética. Em um discurso proferido na Sociedade Portuguesa de Escritores, Sophia explica: “Sempre a poesia foi para mim uma perseguição do real. Um poema foi sempre um círculo traçado à roda duma coisa, um círculo onde o pássaro do real fica preso. E se a minha poesia, tendo partido do ar, do mar e da luz, evoluiu, evoluiu sempre dentro dessa busca atenta.” E acrescenta: “A moral do poema não depende de nenhum código, de nenhuma lei, de nenhum programa que lhe seja exterior, mas, porque é uma realidade vivida, integra-se no tempo vivido”.
O Poema
O poema me levará no tempo
Quando eu já não for eu
E passarei sozinha
Entre as mãos de quem lê
O poema alguém o dirá
Às searas
Sua passagem se confundirá
Com o rumor do mar com o passar do vento
O poema habitará
O espaço mais concreto e mais atento
Quando eu já não for eu
E passarei sozinha
Entre as mãos de quem lê
O poema alguém o dirá
Às searas
Sua passagem se confundirá
Com o rumor do mar com o passar do vento
O poema habitará
O espaço mais concreto e mais atento
No ar claro nas tardes transparentes
Suas sílabas redondas
(Ó antigas ó longas
Eternas tardes lisas)
Mesmo que eu morra o poema encontrará
Uma praia onde quebrar suas ondas
E entre quatro paredes densas
De funda e devorada solidão
Alguém seu próprio confundirá
Com o poema no tempo
Suas sílabas redondas
(Ó antigas ó longas
Eternas tardes lisas)
Mesmo que eu morra o poema encontrará
Uma praia onde quebrar suas ondas
E entre quatro paredes densas
De funda e devorada solidão
Alguém seu próprio confundirá
Com o poema no tempo
Ao penetrar nas palavras de Sophia de Mello Breyner Andresen, o leitor sente com clareza a maresia e a pureza que compõem a alma daquela que, com tanta suavidade, coragem e bravura, derramou suas palavras sobre as páginas em branco, transformando-as em pura expressão de sua vivência e do seu tempo.
* Optei por utilizar o termo poeta, pois, durante minhas pesquisas, descobri que Sophia Andresen primava por esse termo, uma vez que considerava que a palavra poetisa atribui às mulheres um caráter de inferioridade em relação aos homens que exercem a mesma atividade. [Mais aqui]
Algumas referências:
Vilma Arêas, Sophia: Clássica e Anticlássica (prefácio do livro Poemas escolhidos: Sophia de Mello Breyner Andresen – Companhia das Letras);
Vilma Arêas, Sophia: Clássica e Anticlássica (prefácio do livro Poemas escolhidos: Sophia de Mello Breyner Andresen – Companhia das Letras);
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