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terça-feira, 4 de outubro de 2011

Uma voz que resiste às tempestades

            Há muito tempo eu planejava escrever um pouco aqui no Violeta sobre uma das mulheres que mais admiro. Como recentemente terminei de ler sua autobiografia, resolvi que esse era o momento certo de juntar todas as informações que adquiri, misturá-las com a grande admiração que sinto e construir um texto que transmita ao menos um esboço dessa grande personagem.

Fonte: http://lastfm.com.br
            Alguns anos atrás, descansando em meu quarto numa tarde como outra qualquer, uma voz me capturou. Era doce e suave, mas ao mesmo tempo vigorosa e persistente, como se, flutuando no céu, vencesse os estrondos de uma tempestade. Logo descobri a origem daquela voz: como é de costume aos domingos, meu pai estava ouvindo música e acabara de colocar no som o CD “Gracias a la vida”. Corri para lhe perguntar quem cantava – e assim conheci a voz que desde então me encanta não apenas pelo seu papel na música, mas na política e na vida de muitos: a voz de Joan Baez.


            Em uma entrevista realizada no início de sua carreira, que está presente no documentário lançado em 2009 “Joan Baez – How sweet the sound”, Joan afirma que gostaria de ser vista primeiramente como um ser humano, em segundo lugar como uma pacifista e, por fim, como cantora. De fato, nascida em Nova York em 1941, Joan Baez cresceu para se tornar não apenas um dos maiores nomes do folk, mas uma das vozes mais proeminentes do ativismo político da segunda metade do século XX.
            Desde que se apresentou pela primeira vez no café Club 47 em Cambridge, a jovem de longos cabelos negros e pés descalços ganhou o mundo, conquistando rapidamente o público com sua voz cristalina. No entanto, Joan Baez sempre se preocupou em conduzir sua carreira sem se render à indústria musical e ao inebriante universo das celebridades. Com isso, recusou propostas de grandes gravadoras e manteve-se fiel às suas posições políticas.
Embora não se arrependa de sua decisão, sua carreira sofreu uma espécie de crise de identidade nos Estados Unidos, diferente de outros países. A cantora revela em sua autobiografia, escrita em 1987:

“I really live in another world. It doesn’t make me unhappy, but it does make me lonely. [...] I am a stranger in my own land, always looking to feel comfortable without selling my soul.”

         “Eu realmente vivo em outro mundo. Isso não me deixa triste, mas sinto-me sozinha. [...] Sou uma estranha em minha própria terra, sempre procurando me sentir bem sem vender a minha alma.”

Joan Baez na Marcha sobre Washington, em 1963. Fonte: Wikipedia

          Uma breve pesquisa revela que, guiada por sua inabalável coragem, Joan Baez esteve presente nas principais discussões daquela época – com o violão em mãos ou não. Baseando-se nos princípios da não-violência defendidos por Gandhi e conduzida por uma fervorosa paixão em defesa da vida e dos direitos humanos, Joan Baez lutou ao lado de Martin Luther King Jr. no movimento pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos, esteve à frente da resistência à guerra do Vietnã, fundou em 1964 o Instituto para o Estudo da Não-Violência (Institute for the Study of Nonviolence), entrou para a Anistia Internacional na década de 1970 e se apresentou em diversos países do mundo.
            Em uma entrevista de 1970, Joan Baez explica:

Foto por Dana Tynan, 2003
            “[...] music alone isn’t enough for me. If I’m not in the side of life in action as well as in music, then all these sounds, however beautiful, are irrelevant to the only real question of this century: How do we stop men from murdering each other, and what am I doing with my life to stop the murdering?”

            “[...] A música sozinha não é suficiente para mim. Se eu não estiver do lado da vida na ação assim como na música, então todos esses sons, por mais bonitos que sejam, são irrelevantes para a verdadeira questão deste século: como podemos impedir que os homens matem uns aos outros, e o que estou fazendo com a minha vida para impedir essa matança?”

O mais admirável é que, ao ler sua autobiografia, tive o grande prazer de constatar que Joan Baez não seguiu esse caminho por não ter medos. Eles estavam sempre presentes, pressionando-a e por vezes lançando-a em crises, indisposições e depressões. No entanto, sempre honesta com seus princípios, ela enfrentou todas as dificuldades diariamente, entregando-se ao que via como certo.
            Acompanhando sua narrativa – além de tudo, ela tem um grande talento com as palavras -, pude conhecer passagens de sua vida que me emocionaram profundamente, como os treze dias em que, visitando o Vietnã, vivenciou um dos mais intensos bombardeios ao país, ou o belíssimo relato de suas experiências com o Dr. King, além de outras riquíssimas histórias acerca de seus shows, festivais e protestos.
           Durante esse longo período em que mergulhei em sua autobiografia, em sua própria música e em documentários diversos, percebi com grande alegria que a minha primeira impressão continua verdadeira. A voz de Joan Baez é síntese de sua pessoa: doce, mas vigorosa, sempre resistindo às tempestades.

4 comentários:

  1. Denise,
    Ela é realmente uma pessoa incrível, sua vida e sua música são repletas de histórias muito ricas. Vale a pena conhecê-las.

    Adorei a sua visita, Denise. Acompanho o seu trabalho e o admiro muito!
    Beijos

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  2. Maria Regina,
    Muito obrigada pela visita e pelo comentário! Fico realmente muito feliz em saber que você gostou do Violeta...

    Beijos!

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